Arte e Entretenimento

Nesses tempos de sociedade do espetáculo é um pouco difícil diferenciar arte de entretenimento. Não quero, e nem acho que me caiba, fazer aqui um julgamento de valores. As duas coisas são necessárias e cada uma tem o seu espaço, o qual nem sempre é coincidente.

Monteiro Lobato declarou certa vez através de D. Benta que era muito difícil julgar o que tem conteúdo artístico ou não, mas que um bom começo seria observar o teste do tempo. Se obras como Os Lusíadas ou Dom Quixote chegam até nós depois de mais de meio milênio em circulação foi porque sobreviveram ao gosto (que afinal de contas é subjetivo) de milhões de pessoas ao longo de todo esse tempo. Dito de outra forma, costuma haver razões muito boas para os Clássicos serem Clássicos!

Mas nem sempre podemos nos dar ao luxo de esperar alguns séculos para validar a qualidade de uma obra. Aqui entra um outro critério apenas aparentemente subjetivo, mas na verdade até bem óbvio, que é o poder transformador que a arte tem. Qualquer obra ou performance toca todo mundo de algum jeito. Mas apenas algumas – aquelas com alguma profundidade artística – nos inspiram os sentidos de tal forma que somos levados à reflexão, à ponderação, ou até mesmo à uma mudança na maneira como vemos o mundo. Uma peça de entretenimento pode excitar os sentidos, mas nem sempre vai nos tocar da mesma forma.

Nem sempre, eu disse. Porque também é igualmente possível que uma obra de entretenimento puro acabe inspirando alguém a ponto de mudar a vida. Há inúmeros exemplos na Ficção Científica e não poucos até em filmes de ação. Como dizer que não há, então, alguma qualidade artística intrínseca ali?

Há outras questões que têm que ser pesadas, é verdade, como a intenção do artista, ou a sensibilidade do público. Tal assunto suscita discussões animadíssimas – e até ferozes, às vezes – a respeito das qualidades artísticas de certas obras. Um exemplo que acho educativo é o da série de Fantasia A Song of Ice and Fire, de George R. R. Martin, laudado por alguns críticos como o “Tolkien Americano”. Martin certamente sabe criar um enredo bizantino e desenvolve os dilemas pessoais das miríades de personagens da série como ninguém, mas… na opinião deste que vos fala, não passa disso. É um mestre da técnica e da forma, mas não me diz muito mais. Entretanto, eu gosto muito da série, tanto que aguardo ansiosamente por sua conclusão. Isso porque embora eu reconheça que saber construir bons enredos não é por si só mérito artístico, também não significa que seu trabalho seja desprovido de mérito ou que não seja agradável de ler – muito pelo contrário, aliás!

Saber apreciar um bom entretenimento sem criar altas expectativas de qualidade artística é uma lição que vale a pena ser aprendida, também. Seria um mundo triste, aliás, se qualquer obra criativa tivesse que se enquadrar em critérios estéticos pré-definidos e bem estabelecidos. Esse tipo de trabalho eu deixo para os técnicos do MinC, obrigado! ;-)

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9 Respostas to “Arte e Entretenimento”

  1. gigi Says:

    adorei o texto!
    concordo com vc!

  2. gigi Says:

    eeei
    ontem foi dia do orgulho geek!!!!
    vivaa!
    hehe

  3. Daniel Says:

    Don’t Panic!

    Levou sua toalha na bolsa, Gildinha? Hehehehe!

  4. Carina Says:

    Tendo a concordar, mas sou um pouco mais chata e radical com meus critérios, sabe.
    Não dá para prender a arte, qualquer que seja sua expressão em pre-critérios ou pre-conceitos que também atravessam po tempo, nem sempre por uma questão de qualidade Dona Benta. O mais grave é que tais conceitos costumam cristalizar e nosso principal trabalho (e mais difícil) é preceber isso e estar constantemente quebrando o cristal antes que fique duro demais.
    Nos meus vinte e poucos anos estabeleci um critério para mim mesma que me levava tanto a curtir o bom entretenimento quanto perceber quando algo ia além disso (pelo menos eu achava isso… em alguma medida ainda acho). Coisa simples: se a coisa fosse capaz de me envolver do início ao fim sem que minha atenção fosse desviada para firulas, acessórios ou detalhes menos importantes, então era bacana. Numa peça de teatro, por exemplo, se eu fosse prestar atenção no figurino e não no ator e no que estava acontecendo, então, fala sério, aquilo não merecia minha atenção ou respeito (radicalismo juvenil, admito). Por outro lado, li “O Alquimista” do Paulo Coelho de uma tacada em três dias, com letrinha azul pavorosa e tudo! O cara é bom, e ao mesmo tempo é uma merda. Mas só fui pensar na merda quando terminei o livro. Deve ser o mesmo caso desse aí da Canção de Fogo e Gelo, mas não me sinto nem um pouco inclinada a perder meu tempo com ele. Se Paulo Coelho é entretenimento camuflado de sabedoria esotérica, esse cara deve ser uma espécie de diluidor da fantasia se vendendo como novo pequeno gênio (e a hipocrisia da autopromoção me irrita).
    O mesmo não aconteceu no Harry Potter. peguei o primeiro livro com o coraçãozinho aberto e cheio de esperança, verdadeiramente. Parei antes da metade do livro, não consegui terminar porque era MUITO ruim, muito chato… Xingo a autora até hoje talvez pela frustração de ter sido enganda na minha boa fé. Poderia enumerar vários outros exemplos, como a franja da Ororo no X-men 1 ou a orelha do Spock nesse novo e pavoroso Star Trek. Mas se eu reparei isso, então é porque não prestava – diria a carina de 20 e poucos anos. Acho que a de 35 também… Porque não me lembro de mais nada significativo nesses filmes que não esses detalhes. Como não lembro de nada do Harry Potter, além daquele estúpido quadribol… Nesse ponto, acho que a Dona benta está certa. Eu lebro de cada passagem de “Perto do Coração Selvagem” da Clarice Lispector. Mais que isso: lembro do turbilhão interno que me provocaram, que permanceram. Em resumo: arte transforma, porque permanece, e permanece porque é uma forma de conhecimento do mundo e não um passa tempo. Como diz um diretor e pesquisador de teatro de São Paulo, Januzzeli, ninguém vai ao teatro para “passar o tempo”. As pessoas deveriam dar mais valor ao escasso tempo que tem nesse nosso mundo corrido contemporâneo. Se quiserem zerar o QI, que fiquem em casa, vendo TV antes de dormir.

  5. Daniel Says:

    A presença do poder transformador é, talvez, a melhor forma de discernir o que é artístico do que não é. Mas cada vez menos acredito em definições cristalizadas para isso… nem acho que seja tão ruim que não tenhamos ainda uma definição (ou várias!) para o que SEJA arte ou não depois de 10 mil anos de civilização!

  6. Leo Says:

    Daniel,

    Você não estaria definindo um grande clássico através de uma percepção estatística em função do tempo? Ou seja, aquilo que continua a manter uma massa crítica de admiradores ao longo do tempo se tornará um clássico?

    Com isto você também não bateria de frente com os “especialistas”, que sempre são minoria frente à massa?

    Este artigo também me lembra nossa discussão no carro, há 5 anos atrás, sobre a necessidade da arte ser apreciada para se tornar verdadeiramente arte.

  7. Daniel Says:

    “Ou seja, aquilo que continua a manter uma massa crítica de admiradores ao longo do tempo se tornará um clássico?”

    Bom, mas isso é praticamente a definição de um Clássico ;-)

    Claro que sempre tem quem reconheça imediatamente as qualidades artísticas de uma obra. Mas nem todo mundo vai necessariamente ver ali as mesmas coisas, e acho que aí está o grande problema da definição. Que nem é tão grande assim, como indiquei no último comentário.

  8. Fique por dentro Entretenimento » Blog Archive » Arte e Entretenimento « O Telhado de Vidro Says:

    […] de valores. As duas coisas são necessárias e cada uma tem o seu espaço, … fique por dentro clique aqui. Fonte: […]

  9. tansy Says:

    tansy

    Arte e Entretenimento | O Telhado de Vidro

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